Acadêmico português na Austrália analisa a situação de Donald Trump, infectado com Covid-19

O presidente dos Estados Unidos Donald Trump, ao voltar para a Casa Branca, três dias após internação por conta de COVID-19.

O presidente dos Estados Unidos Donald Trump, ao voltar para a Casa Branca, três dias após internação por conta de COVID-19. Source: Photo by Win McNamee/Getty Images

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Other ways to listen

Conversamos com o português Luis da Vinha, professor de Relações Internacionais da Universidade Flinders, em Adelaide, sobre o que se avizinha no cenário eleitoral norte-americano.


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou o hospital em Maryland na noite de segunda-feira e está na Casa Branca, onde segue em tratamento contra o COVID-19.

A recuperação dele é mais uma dificuldade em sua campanha para a reeleição, após as principais pesquisas do país apontarem para um favoritismo do rival democrata, John Biden.

Para entender o cenário que se avizinha nas eleições americanas de novembro, conversamos com o professor português Luis da Vinha, da Universidade Flinders, de Adelaide, no último domingo, quando Trump ainda estava internado.

Também falamos sobre as perspectivas geopolíticas para o pós-pandemia, e sobre a segunda vaga do coronavírus em Portugal.
O professor português Luis da Vinha, da Universidade Flinders, de Adelaide.
O professor português Luis da Vinha, da Universidade Flinders, de Adelaide. Source: Supplied
Vinha é coordenador do mestrado de Relações Internacionais e profundo conhecedor da política internacional.

Formado pela Universidade de Coimbra, ele nasceu e cresceu nos Estados Unidos, mas passou 21 anos em Portugal.

Entre os seus interesses de ensino e pesquisa estão política externa, governo e política dos EUA.

Pode-se ouvir a entrevista completa no podcast junto desta matéria.

Cenário complicado para Trump nas eleições

Luis da Vinha acredita que a internação tende a não causar um impacto positivo na campanha de Trump, pois as pesquisas indicam que boa parte dos eleitores já consolidou o voto. 

“Estamos a um mês das eleições, numa situação em que o presidente está atrás em todas as sondagens nacionais. As melhores empresas de sondagens dão uma vantagem ao candidato Biden de 7% ou 8%. E nomeadamente nos chamados “swing States”, os estados a serem conquistados, Biden lidera por uma média de 3%.

Na Pensilvânia Biden lidera por 6%, Michigan por 5%, Wisconsin por 5%, na Flórida Biden está na frente por 6%, Arizona, 3%.

Se nós formos a pensar que a sondagem mostra que 90% dos eleitores registrados disseram que já não vão mudar de opinião, isto terá pouco impacto no resultado eleitoral.

Em última instância, mina o discurso do presidente, porque de fato minimizou a gravidade do vírus, e não só o presidente está infetado, mas mostra até uma falta de gestão de crise dentro da Casa Branca.

Estamos a ver vários de seus assessores diretos e a diretora do Partido Republicano infetados. Isso provavelmente não vai passar bem para a opinião o pública que já neste momento na maioria dos casos acha que o presidente não tem gerido bem esta crise.” 
Amy Coney Barrett é a indicada de Trump para a Suprema Corte.
Amy Coney Barrett é a indicada de Trump para a Suprema Corte. Source: The New York Times
A crise do coronavírus entre a cúpula da Casa Branca também infetou outros republicados importantes e deve atrasar a indicação para a nomeação da jurista Amy Coney Barrett para a Suprema Corte do país. Os republicanos não querem deixar para 2021, mas o surto atrapalha os planos deles, crê Luis da Vinha.

“Pela parte dos republicanos há toda essa vontade em fazer, embora mais uma vez, os estudos da opinião pública acham que deve ser o novo presidente a nomear o candidato ao Tribunal Supremo. Porém, há um conjunto de senadores que fazem parte da comissão que vai analisar isso em primeira instância, nomeadamente Mike Lee, que já foram diagnosticados como positivo para o coronavírus.

Vai haver aqui algum atraso, ao menos uma semana ou duas. Mas os republicanos estão comprometidos em votar e passar a candidata nomeada pelo presidente, não antes das eleições, antes da posse do novo presidente em janeiro de 2020, seja esse presidente qual for.”

Os efeitos da pandemia na geopolítica nos próximos anos

Um dos temores de muitos analistas políticos é uma nova escalada de discursos radicais a partir da crise econômica causada pelo COVID-19 nos próximos anos.

Para o professor da Universidade Flinders, a pandemia não fará esse movimento diminuir.

“Vários estudos mostraram que tivemos um recuo de um impulso democrático que se deu ao fim da Guerra Fria.

É um padrão que não parece que vai desacelerar com o COVID, pelo contrário, o que vamos medidas adotadas por alguns regimes que limitam ainda mais algumas liberdades fundamentais dos cidadãos.

O mais preocupantes é que vemos essas dinâmicas em países tradicionalmente com regimes democráticos consolidados, robustos. Na Europa, Hungria, Polônia e Itália. E no próprio EUA, e eu diria que no caso do Brasil.

Não é uma mudança radical, mas um desgaste contínuo das instituições essenciais à democracia. O COVID certamente não vem a ajudar.

Já julgo que as eleições americanas podem ter um papel importante, já vimos John Biden, várias propostas na área de política internacional, é fato voltar a revitalizar a corrente democrática.

Aliás, uma das promessas dele é organizar um fórum pela democracia. Se Biden ganhar, veremos os EUA novamente levantar essa bandeira, da democracia, da democratização, direitos civis.

Nós sabemos que os EUA ainda lideram um grupo, é um país que ainda tem uma influência no cenário internacional e eventualmente terão um papel importante em relançar um interesse nessas questões.

Outro temor especulado como efeito da crise econômica é mais perda de direitos trabalhistas.

Luis da Vinha enxerga este como um movimento a acontecer desde os anos 80, e que a pandemia só servirá como desculpa de governos simpáticos a essa causa.

“Tem havido um recuo nos direitos dos trabalhadores, (...) mesmo em países tradicionalmente desenvolvidos desde o início dos anos 80.

Basta ver o poder de algumas organizações laborais, desde Ronald Reagan e Margaret Thatcher, tem vindo a se reduzir o número de indivíduos sindicalizados.

Vemos nos EUA esta ideia do “Right to Work”, políticos direcionadas a diminuir o poder das organizações laborais.

Parece normal que assim seja, há de fato um foco no mercado, e o mercado de fato indica que deve haver alguma flexibilidade na contratação.

Mais uma vez, olhando para esta trajetória histórica, isto é uma dinâmica fundamental.

Como qualquer governo, se esta é a agenda que de fato subscreve, utiliza qualquer pretexto, e não estou a dizer de uma forma cínica, para justificar suas políticas com aquilo que tem na mão.

E o COVID é o fator mais determinante neste ano ou dois, e de fato qualquer governo que queira fazer reformas no mercado laboral vai usar isto como pretexto para fazer.”
Em Portugal, a corda bamba entre a saúde e a economia

Luis da Vinha viveu por 21 anos em Portugal e segue com laços fortes com o país.

Ele avalia a segunda vaga na Europa com um fator extra, que é a menor aceitação ao confinamento que na primeira.
People protesting at a social distance from each other as a precaution against COVID-19 in Porto, Portugal.
Luis da Vinha acredita que partidos favoráveis a menos direitos trabalhistas usarão a crise do coronavírus para exercerem essas reformas. Source: Sipa USA Diogo Baptista / SOPA Images/Sip
“Portugal espelha o que está a acontecer na Europa, é uma segunda vaga.

Há um fator diferente, a disponibilidade dos portugueses para continuarem fechados em casa hoje é menor do que era há dois, três meses.

E os políticos portugueses também têm noção de que não pode ser de tal forma que se tenha um impacto negativo na economia, que de certa forma não compensam os sacrifícios que os portugueses estão a fazer.

Por isso, julgo que o que está a acontecer em Portugal e em muitos países da Europa é esta ideia de que vão lidar um bocadinho diferente.

Os impedimentos, as liberdades e o normal funcionar da sociedade não serão tão drásticos.”

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