Por que as casas de um euro na Itália estão atraindo tantos brasileiros?

Casas de 1 Euro

Douglas Roque, em Fabricche di Vergemoli, Paula Magalhães, em Taranto, e Rubia Andrade Daniels em Mussomeli

O que está por trás das casas de ‘um euro’ e porque o sonho de morar na Europa – mesmo que a princípio em uma casa caindo aos pedaços e localizada no meio do nada – está atraindo tanta gente? Conheça as histórias de alguns brasileiros que estão comprando as famosas casas de um euro na Itália.


Resumo
  • Em 2017, a Itália introduziu esquemas de venda de casas por um euro numa tentativa de repovoar cidades remotas nas regiões rurais do país.
  • São casas em pequenas aldeias em vários estados de abandono que os moradores decidiram entregar ao estado em vez de consertar.
  • Rubia Daniels comprou cinco casas por cinco euros, mas prevê custos de 20 mil euros na reforma de uma casa pequena.
Para tentar reverter a constante queda na população e ao mesmo tempo revitalizar regiões remotas na Itália, o governo chamou a atenção de apaixonados por reformas e compradores de imóveis do mundo inteiro em 2017 com o início do programa de venda de casas por um euro.

Conversamos com três pessoas que compraram, cada uma delas, cerca de três a cinco casas por um euro – o equivalente a AU$1,64 ou quase R$9 reais por residência.
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Mussomeli, na Sicília: foi lá que o governo italiano iniciou sua grande campanha de marketing das casas de um euro Credit: Luciana Fraguas
Em comum todos têm o sonho de viver na Europa, a paixão por reforma e um pé na construção civil, arquitetura ou mercado imobiliário.

Eles também têm uma visão de futuro.

Todos compraram casas não só para morar, passar férias, mas para alugar através do sistema Airbnb ou para uma futura aposentadoria.

Mas as casas de um euro em paisagens idílicas são realmente o sonho do La Dolce Vita italiano ou um pesadelo de uma reforma cara que não tem fim?
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Página do governo que vende casas por um Euro Credit: Luciana Fraguas
Rubia Andrade Daniels, na Califórnia, comprou cinco casas em Mussomeli na Sicília, Douglas Roque, criou um empresa de assessoria e reforma de casas em Fabbriche di Vergemoli, na Toscana, e a arquiteta Paula Magalhães comprou um pequeno prédio na cidade de Taranto e casas nas regiões da Calábria e Molise.

Location, location, location

Quando falamos em casas de um euro, Mussomeli, no coração da Sicília, é a primeira região italiana a vir a mente.

A 95 quilômetros ao sul de Palermo, foi lá que o governo italiano iniciou sua grande campanha de marketing.

A cidade conta atualmente com quase 10 mil habitantes e tem apresentado um declinio populacional desde a década de 80.

Rubia Daniels Andrade, 50 anos, empresária e especialista em energia renovável, é de Goiânia, no Brasil, mas vive em São Francisco na Califórnia.

Ela ficou tão entusiasmada que já comprou cinco casas.
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As localidades onde nossos entrevistados compraram casas de um euro e no cant inferior direito gráfico com a queda na população dessas regiões
Em 2019 meu marido viu uma reportagem sobre as casas à venda por um euro e em alguns dias eu me organizei e fui embora para a Sicília para ver se era verdade. Entrei em contato com várias cidades e me interessei por Mussomeli
Rubia Daniels Andrade
Para Rubia a decisão foi baseada na localização, Mussomeli para ela é o lugar perfeito.

“Um ponto chave de decisão para mim foi a cidade de Mussomeli, tem tudo lá, toda infra e fica no meio da Sicilia,” diz.

Douglas Roque é criador da empresa de assessoria, reforma e compra de imóveis na Itália, chamada Sonho.It, e se especializou no atendimento a brasileiros interessados em morar na Europa.

Natural de São José dos Campos, mas morando em São Paulo, ele resolveu ir para Itália em 2019, quando o anúncio das casas de um euro foi feito.

Douglas disse que foi para a Itália para saber mais sobre esse assunto ‘misterioso’ que o governo italiano estava anunciando quando foi parar em Fabbriche di Vergemoli, uma comuna com pouco mais de 700 moradores, que fica na bela região da Toscana.

A cidade mais próxima é Pisa, que fica a 38km de distância.
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'Não sei se fui eu quem se apiaxonou por Fabbriche di Vergemoli ou ela por mim': Douglas transformou suas paixão em revitalizar espaços em negócios e hoje é corretor de imóveis no segmento na Itália Credit: Luciana Fraguas
“Demos uma olhada em várias cidades e escolhemos Fabbriche di Vergemoli. Quando eles promovem as casas de um euro não tem gente nem para atender o telefone, viemos para cá e resolvemos investir," recorda.

A arquiteta Paula Magalhaes é de Campo Grande, no Matogrosso do Sul, saiu do Brasil para Barcelona em 2018 quando decidiu ir para a Itália e tentar a cidadania.

"Meu tataravô era italiano e resolvi mudar para Itália e tentar minha cidadania, e fui ficando. Consegui a cidadania em Isola del Liri depois fui para Perujia. Tentei morar Milão mas era muito caro," recorda.

Acabou chegando na região da Calábria, onde morou numa casa que estava dilapidada, mas que não custava um euro.

Ela viu nessa situação, que poderia ser um pesadelo para muitos, uma verdadeira oportunidade.

“Quando vi o potencial das casas ‘destruidinhas’ e depois de morar em uma delas, eu vi que era isso que eu queria fazer da minha vida."

Paula se apaixonou por um prédio na cidade de Taranto, que conta com 188 mil habitantes.

Participou de diversos concursos pois a habitação era muito disputada e seu projeto de renovação foi o vencedor. "Fiquei muito feliz," recorda.
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A arquiteta Paula Magalhães participou de vários editais até conseguir a aprovação da casa dos seus sonhos em Taranto, mas ainda espera rsolução do governo para iniciar as obras Credit: Luciana Fraguas
Um euro é simbólico: o custo real

Até agora, quatrocentas casas foram vendidas sob o esquema 1 euro só em Mussomeli.

A partir do valor de 1 euro, o programa expandiu para incluir propriedades “premium” que exigem menos trabalho e custam cerca de 25 mil euros.

Rubia explica que o valor de ‘um euro’ é simbólico.
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Mussomeli: "As três casas que eu escolhi, estavam com o teto caído, como trabalho na construção civil isso não é problema para mim, escolhi essas casas por outros motivos," diz Rubia Source: iStockphoto / gkuna/Getty Images
Ela avisa que além dos custos das reformas, são 4 mil euros para pegar escritura e chaves.

‘Só entrei em 2022, já reformei duas casas. Um das casas estou investindo mais e devo fechar um gasto total de 50 mil euros para deixar como eu quero. Mas é uma casa grande, são três andares, tem detalhes que eu gastei mais e não precisava gastar. Mas é a casa que eu vou residir,’ justifica.

Ela explica que o comprador não é obrigado a residir na propriedade, mas na Sicilia, ele deve reformar a casa em até três anos mantendo as características históricas da fachada externa.

"O interior da casa pode reformar e levar o tempo que quiser mas o exterior tem que ser refeito em até três anos."
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Rubia em Mussomeli: até agora, quatrocentas casas foram vendidas sob o esquema 1 euro só nessa região. Credit: Luciana Fraguas
Na Toscana, em Fabbriche di Vergemoli, Douglas explica porque as casas de um euro não são de um euro.

"Casa de um euro nunca é de um euro"

"As casas foram passando de geração a geração e vão ficando sem dono. Casa de um euro nunca é de um euro," diz.

Mas além da pesquisa extensa e documentação que esse processo exige, o comprador não está completamente livre de alguns perrengues.

A arquiteta Paula, que comprou o predinho de três andares, bem no centro histórico de Taranto, ainda não pôde entrar na habitação pois o governo resolveu verificar se o prédio é patrimônico histórico.

Mas diz que está esperançosa que o prédio dos seus sonhos em Taranto seja logo aprovado para que possa iniciar as reformas. "Estive na prefeitura ontem e a resolução vai sair logo," explica.
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O pequeno prédio de três andares, no belo centro histórico de Taranto, que Paula arrematou por um euro e espera poder ocupar. Credit: Luciana Fraguas
Brasileiros compradores

Rubia diz que tem gente do mundo inteiro interessada nas casas e que com frequência leva grupos de potenciais compradores e amigos para Mussomeli.

"Levei mais de 150 pessoas em maio vou levar um grupo maior ainda e agosto também. Sou o link entre as pessoas que querem ver essas casas e conhecer Mussomeli," diz.

Ela também conta que 70% dos grupos que ela leva para Sicilia é composto por mulheres. ”Mulheres que compram mais. Pensam mais na aposentadoria e no futuro.”
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O antes e depois da casa na Calábria, comprada pela arquiteta Paula Magalhães Credit: Luciana Fraguas
“Cada cidade tem um regulamento“

Douglas aconselha interessados em comprarem essas casas para buscarem informações, cada cidade tem um regulamento próprio.

Rubia, da Califórnia, lembra que é importantíssimo visitar a cidade e manter suas expectativas da reforma 'sob controle', não esperar muito se está fazendo tudo à distância e aconselha os interessados a seguirem seus sonhos.

Mas no final acha que vale a pena. "Go for it," diz ela, em inglês.

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