Filme brasileiro Marighella no Festival de Lisboa antes da estreia ainda incerta no Brasil

Sydney Film Festival

Source: Sydney Film Festival

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Marighella é o filme que o Brasil no tempo de Bolsonaro ainda não viu estrear, embrulhado em alguma burocracia mas também enleado no receio de alguma censura. “O filme não é um manifesto a favor do Marighella nem a favor da luta armada ou a favor da esquerda”, esclarece o realizador, frisando a importância do rigor histórico e da pesquisa no projeto.


O brasileiro Wagner Moura é ator que o público conhece como Pablo Escobar na série Netflix Narcos ou dos filmes Carandiru e Tropa de Elite.

Agora, também como realizador e é nessa condição que ele está como figura de topo, ao lado de Wim Wenders, Abel Ferrara, Costa Gavras, Cedric Kahn e muitos outros, no Lisboa e Sintra Film Festival, o principal festival anual de cinema em Portugal, sempre no final de novembro.

Wagner Moura apresenta neste festival Marighella.

É um filme sobre resistência e o festival tem por tema precisamente Resistências.
Nos momentos iniciais de Marighella, o cantor e ator Seu Jorge, na pele do guerrilheiro comunista brasileiro, Carlos Marighella levanta-se numa sala de cinema, rodeado de polícias armados, e grita: “Abaixo a ditadura militar, viva a democracia!”

Marighella, para uns, é um revolucionário, para outros, um terrorista.

É fato que praticou atos terroristas – usou a violência para defender as suas ideias, e isso é mostrado no filme.

Baseado no livro do jornalista Mário Magalhães, centra-se nos anos entre o golpe militar de 1964 que instaurou a ditadura brasileira e a morte do ex-deputado comunista que entra na clandestinidade e é co-fundador do grupo armado Ação Libertadora Nacional (ALN).

É sobre Carlos Marighella que Caetano Veloso canta em Um comunista (2012) e é em cima das imagens que contam a sua relação com o filho, os companheiros de luta e, sobretudo, com o Brasil que o público ouve O Monólogo do Pé do Ouvido, dos Nação Zumbi, postular: “O medo dá origem ao mal / O homem coletivo sente a necessidade de lutar (...) .
Marighella é o filme que o Brasil no tempo de Bolsonaro ainda não viu estrear, embrulhado em alguma burocracia mas também enleado no receio de alguma censura.

Já em Fevereiro no Festival de Berlim, entre lágrimas da sua equipa e elogios da crítica, Wagner Moura tinha comparado: “Marighella, líder social negro, foi assassinado em 1969 dentro de um carro por disparos da polícia. Meio século depois, uma activista social negra [Marielle Franco] foi assassinada no Rio dentro de um carro por membros das forças de segurança”.

Carlos Marighella nasceu em Salvador em 1911.

É uma figura histórica complexa e rica, filho de um operário socialista de ascendência italiana e de uma empregada doméstica negra, filha livre de escravos trazidos do Sudão.

Aprendeu a ler cedo e na sua formação política, conheceu in loco a China comunista.

Carismático, escrevia poesia e pouco antes de morrer assinou o Minimanual do Guerrilheiro Urbano.

Foi expulso do Partido Comunista Brasileiro (PCB), pegou em armas e assumiu-se, nesse contexto de 1960, como terrorista depois de as autoridades lhe negarem o título de revolucionário.

Depois do golpe que instaurou o regime militar no Brasil e da sua expulsão do PCB, criou a ALN, grupo armado que pedia o apoio da população e tentava tirá-la da complacência, e que também foi responsável por ações violentas, condenáveis, no caso assaltos, mortes e mais tarde pelo rapto do embaixador dos EUA.

O produtor Felipe Braga evita vitimizar o filme como objeto censurado mas não deixa de dizer: “Temos no Brasil um Presidente da República e membros do Governo que explicitamente falam hoje em filtrar ações culturais e artísticas que não representem os valores judaico-cristãos ou os valores da família brasileira – seja lá o que isso for”.

Teme sim que Marighella, o filme, enfrente outro adversário: “A questão delicada e mais complexa é o movimento de auto-censura”, explica, “se na hora que o filme for lançado os próprios exibidores se poderão sentir ameaçados por terem o filme”.

“O filme não é um manifesto a favor do Marighella nem a favor da luta armada ou a favor da esquerda”, esclarece o realizador, frisando a importância do rigor histórico e da pesquisa no projeto.

Entende no entanto que é “uma reflexão importante para o contexto atual. O que é que você faz, o que se faz perante um quadro de repressão?”

O filme tem foco numa figura que usou a violência, fica à vista que a violência não é resposta.

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