Mães que deixaram os filhos no Brasil para tentar uma vida melhor para ambos na Austrália

Livia Tameirao

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Mães que deixaram os filhos em seus países de origem em busca de uma vida melhor para ambos, falam sobre como lidam com o julgamento das pessoas, seu próprio sentimento de culpa e o que as motiva a seguir em frente. "Acredito que o que estou fazendo é o certo, coração de mãe não se engana ", disse Lívia, mãe de Rafael.


Como muitas pessoas que deixam seu país de origem, a cabeleireira Lívia Tameirão teve uma experiência traumática e violenta que a levou a tomar a difícil decisão de deixar o Brasil. Ela foi sequestrada e roubada.

“Eles levaram meu carro, todo o meu dinheiro e equipamento que eu levava no carro pois atendia a domicílio, levaram tudo, no mesmo período em que me separei do meu marido. Foi um processo muito doloroso, só sobrevivi porque tive o apoio dos meus pais e do Rafael, meu filho.”

O sequestro fez com que Lívia parasse de atender a domicílio e passar trabalhar dentro de casa. "Eu não saía mais do meu apartamento, estava cuidando de Rafael, trabalhando dia e noite, ficava dentro daquelas quatro paredes, não saía," lembra.

A convite de uma amiga que já morava na Austrália, Lívia decidiu vir para Melbourne em novembro de 2018 e ficar por um período de seis meses. Seu filho Rafael tinha 4 anos e, com um acordo com o pai, ficou com os avós maternos.
Livia and Rafael
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Veio com AU$ 250 no bolso mas logo iniciou os estudos e começou a trabalhar em seu tempo livre como cabeleireira. Em alguns meses, ela viu que já podia prover para o filho.

“Quando vi que poderia lhe dar uma vida melhor, continuei estudando e trabalhando ainda mais. Logo pude pagar suas aulas de natação e inglês, escola, comida, roupas, tudo. ”

“Só vim para Melbourne porque tenho meus pais e Rafael está com eles. Rafael é minha vida, eu só podia confiar 'minha vida' em meus pais.”

"Meu sonho nunca vai morrer, quero que meu filho venha aqui."

Lívia diz que está com Rafael "todos os dias". “Estamos sempre juntos pelo Facetime, tomamos café juntos, falamos sobre o que está acontecendo em nossas vidas. Se ele está indo a algum lugar e está dentro do carro, estamos ao telefone conversando e nos vendo.

“Na escola, meus colegas conversam com Rafael no Facetime, o que é ótimo. Quero mostrar ao meu filho que estou bem. Ele sabe com quem estou e que as pessoas não estão tristes ou arrependidas por mim ou por ele. “

Lívia disse que às vezes 'dói' não tocá-lo e abraçá-lo como costumava fazer, e que às vezes abraça e beija os filhos de seus clientes. “Eles são todos Rafael.” Ela também mantém um diário de parques e lugares que Rafael vai amar conhecer quando finalmente chegar.
Existe a distância, mas também há muito julgamento. “No começo, ouvi coisas como 'Você está louca?' Vai deixar seu próprio filho? Coitadinho!'"

“As pessoas são cruéis, não pesam o que dizem. Elas dizem o que querem e depois vão embora. Decidi fazer ouvido seletivo, ouço quem está me ajudando e ouço meu coração, coração de mãe não se engana. Eu tenho aulas todos os dias, trabalho duro e me mantenho ocupada. Caso contrário, você fica louca com tantas opiniões sobre você."
Livia and Rafael
Livia and Rafael Source: Supplied
Hoje em dia quando as pessoas perguntam, às vezes ela fala sobre Rafael e sempre dá a mesma resposta direta: 'Eu sempre digo:' estou bem, meu filho está bem com meus pais e essa é a nossa escolha. '

“Hoje não posso trazer o Rafael aqui, agora não tenho dinheiro, é muito caro, a escola é cara, não posso pagar por ele aqui, estou organizando tudo isso. Ele me dá muita força, e é isso que importa. ”

Andrea

"Meu então namorado (agora marido) e eu decidimos deixar o Brasil em 2015, eu queria expandir minha carreira e aprender um novo idioma, Vinicius tinha 16 anos", lembra Andrea Motta, gerente de recursos de uma agência de publicidade em Melbourne.
andrea and vinicius
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Na época, Andrea lembra que estava tentando matricular o filho em um programa de intercâmbio nos Estados Unidos, mas ele não queria deixar o Brasil. "Ele me disse que se eu quisesse morar no exterior, eu deveria ir, ele estava feliz onde estava".

Mudar-se para a Austrália com o filho estava fora de questão. "Vim com um visto de estudante, não sabia o idioma, não sabia o que aconteceria, posso trabalhar em qualquer coisa e viver de pizza, foi o que aconteceu, mas não ia conseguir trazê-lo comigo, financeiramente impossível".

A família foi pega de surpresa: "minha família, minhas irmãs, estavam todas incrédulas 'o que você vai fazer na Austrália, você tem 40 anos ?!'". Apesar do susto inicial, a família e o ex-marido mostraram apoio. "Minha mãe, de 80 anos, disse que tinha tido a vida dela e que essa vida é minha, vá e faça o que achar certo, siga seu coração."

Andrea diz que a despedida no aeroporto, e deixar Vinicius naquela idade, quando um adolescente mais precisa da mãe, foi difícil. Vinicius viveu com sua mãe a vida toda e "lá estava eu, deixando-o 'sozinho' e sendo ausente".

No início, ainda em Sydney, Andrea lembra que chorava muito e de ter crises de depressão. No começo, 'ouvia tudo, de todos, de 'como você deixou seu filho vir aqui?' a 'ela veio curtir a vida, se divertir'.

“As pessoas não têm idéia do quão difícil é arrecadar dinheiro, fazer um bico ali e aqui, fazer um dinheirinho extra, mas também recebi muito apoio, principalmente do pessoal que conheci aqui”, disse ela.

Um ano e meio depois de chegar a Austrália, apos mudar-se para Melbourne, Andrea conseguiu trazer Vinicius. “Primeiro ele concordou em vir fazer uma visita e depois decidiu ficar definitivamente. Ele agora tem 21 anos e acaba de receber um diploma em carpintaria. Estamos todos juntos agora e me sinto mais completa.”
Andrea and Vinicius
Andrea and Vinicius Source: Supplied
Para a psicóloga Patricia Martins, a pressão sobre a mulher e sobre a mãe é grande demais. Patricia cita o teórico Donald Winnicot, que disse que as mães só precisam ser boas o suficiente, elas não precisam ser perfeitas. "Mas temos essa pressão para ser perfeita, é uma pressão que a mãe exerce sobre si mesma e que outras pessoas exercem sobre ela", diz.

"Mas temos essa pressão para ser perfeita, é uma pressão que a mãe exerce sobre si mesma e que outras pessoas exercem sobre ela, a idéia da mulher que sai de casa (e não o homem) não existe", disse ela.
Patricia Martins Andrea Livia
Patrícia Martins, Andrea Motta e Lívia Tameirão Source: LF/SBSPortuguese
"Todas as mulheres que vejo no meu consultório tomaram a decisão de sair porque querem dar uma vida melhor a seus filhos. Nenhuma das mulheres com quem conversei teve a ideia de 'vou começar uma nova vida em um novo país e viver uma vida independente, sempre há o objetivo de se reconectar com a família ".

"Infelizmente, há muito julgamento, as mulheres já estão se sentindo culpadas e, além disso, as pessoas as julgam sem saber o que estão passando. O paradoxo é que elas estão fazendo isso porque querem o melhor para os filhos".

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