Morte de Otelo, o estratego da Revolução dos Cravos que instalou a democracia em Portugal

Olavo Saraiva de Carvalho

Olavo Saraiva de Carvalho, estratego da Revolução dos Cravos, que instalou a democracia em Portugal, morreu no dia 25 de julho em Lisboa, aos 84 anos. Source: AAP Image/EPA/ANDRE KOSTERS

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Otelo Saraiva de Carvalho faleceu em Lisboa no domingo, 25 de julho, aos 84 anos


Otelo Saraiva de Carvalho é o então major que em Abril de 1974, sozinho, escreveu e desenhou o plano de operações militares do golpe de estado que há 47 anos derrubou a ditadura (Salazar e Caetano) instalada há 48 anos, introduziu imediatamente a democracia pluripartidária e acabou com a guerra colonial em angola, Moçambique e Guiné-Bissau.


Otelo era um dos líderes de um movimento de capitães das forças armadas portuguesas que contestava a guerra colonial em curso há 13 anos, com tanto sacrifício e tanta morte de um lado e do outro. Esse movimento envolveu cerca de 200 oficiais de patente intermédia (quase todos capitães, tenentes ou majores) que designaram um pequeno grupo de camaradas militares para planear uma mudança do estado das coisas.


Foi designado um estratego político, Ernesto Melo Antunes. E um estratego militar, Otelo Saraiva de Carvalho. Enquanto Melo Antunes preparou a carta de princípios do movimento militar, com compromisso de imediata convocação de eleições e entrega do poder aos civis, também, claro, fim da censura, das prisões políticas, em suma, a instalação da liberdade, a Otelo coube o complexo planeamento da operação militar destinada a pôr fim ao regime de ditadura.


Otelo desenhou o plano, rodeou-se de uma pequena equipa de comando de operações, sete capitães, que por sua vez envolveram outros oficiais intermédios em quartéis estratégicos pelo país. Escolheram o dia D: 25 de Abril de 1974. Às 3 da madrugada, com não mais de 10 militares ocuparam a rádio então mais ouvida em Portugal, o Rádio Clube Português, que se transformou como “Emissora da Liberdade” e porta-voz do movimento militar.


Ao mesmo tempo pequenos pelotões militares cercaram e ocuparam lugares estratégicos em Lisboa: dos ministérios ao aeroporto, passando pelo Banco de Portugal. Ao todo, envolvidos neste plano de Otelo, cerca de 700 soldados. A operação militar iniciada às 3 da madrugada levou ao controlo dos postos chave cerca do meio-dia. Faltava a rendição do chefe do governo, Marcelo Caetano, o que veio a acontecer às 6 da tarde.


Nas horas seguintes foram libertados todos os presos políticos, várias centenas e foi promovido o regresso dos exilados, entre eles Mário Soares que viria ser primeiro-ministro e presidente da república, com grande aclamação popular. Toda a operação militar aconteceu sem derramamento de sangue, aliás este golpe militar ficou conhecido como a revolução dos cravos, pla imagem de muitos soldados com cravos vermelhos na ponta das espingardas.


O golpe de estado de 25 de Abril de 74 deu lugar a uma revolução que no primeiro ano e meio teve derivas radicais, com tentativas de transformar Portugal numa espécie de Cuba da Europa, mas o modelo tinha salvaguarda democrática em eleições e a democracia prevaleceu.


Por tudo isto, o estratego do golpe militar, Otelo, tornou-se herói nacional. Mas ao mesmo tempo contestado, até odiado. Primeiro, pelos nostálgicos do regime derrubado. Depois, porque Otelo, o impecável líder da operação militar, tomou uma via política radical, tornou-se crítico do que chamou de democracia burguesa e passou a defender a democracia popular.


Veio a ser relacionado com um movimento terrorista, as Forças Populares FP25, acusadas de ações violentas com 17 mortes. Otelo recusou sempre qualquer ligação com este grupo terrorista. Veio a ser julgado e condenado a 15 anos de prisão.


Foi amnistiado ao fim de 5 anos, porque o país entendeu que o militar que liderou a libertação de Portugal não poderia estar preso, para mais não havendo provas de envolvimento nas ações criminosas terroristas.


Mas neste dia em que o corpo de Otelo vai a cremar, o líder da extrema-direita portuguesa clama que ele devia ter morrido na prisão.



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