Prémio Camões vai para Chico Buarque, um mestre no artesanato das palavras

Chico Buarque

Até Chico Buarque apareceu em vídeo com os lábios pintados de vermelho para protestar contra o comentário machista de um candidato a presidente em Portugal. Source: Wikipedia Commons

O escritor, poeta, trovador - o criador da Banda - há meio século, Chico Buarque, é agraciado com o prémio Camões, o mais importante da Língua Portuguesa.


Ele é o criador de "Morena de Angola”, a Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela, e de “Mulheres de Atenas”, uma sátira disfarçada, classicamente vestida:

"Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas

Vivem prós seus maridos, orgulho e raça de Atenas"
Chico Buarque criou “Vai Trabalhar, Vagabundo” que é, tal como “Construção”, um canto ao proletariado e à monotonia da pobreza enleada na burocracia que a mantém pobre.

Chico Buarque, o criador de Cálice, de Tanto Mar e de tanto mais.
Aos 74 anos, a poucas semanas de fazer 75, Chico Buarque, carioca, filho do historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, músico, compositor, cantor, ator, romancista, dramaturgo, coroado com o prémio literário mais importante do universo da língua portuguesa – o Camões, que  distinguiu, na sua 31.ª edição, um ícone da música popular brasileira a quem faltava a definitiva consagração como escritor. 

Chico Buarque é um mestre dos versos cantados, na poesia vasta, lírica, realista, sonhadora e vulgar, popular, única, que nos legou.

Poesia de calor e de samba, poesia de protesto e de amor.

Comentário de Manuel Frias Martins, o professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, que presidiu ao júri na Biblioteca Nacional do Brasil no Rio de Janeiro:

“Não estamos a premiar o músico. Estamos a premiar o homem da literatura. Quando falamos de Chico Buarque, esquecemo-nos muitas vezes de que estamos perante um escritor de grande qualidade na poesia, um dramaturgo de grande qualidade e, sobretudo, um romancista de grande qualidade”, afirmou.

O professor Manuel Frias Martins sublinhou a unanimidade do júri à volta do criador da Ópera do Malandro e de Circo Místico, do autor dos romances Estorvo (1991), Benjamim (1995), Budapeste (2003),  e , do letrista e compositor com 49 discos gravados, do argumentista e co-argumentista em cinco filmes:

“A obra dele é transversal a vários géneros literários e reconhecida em todos os países de língua portuguesa por várias gerações”, sublinhou ainda Frias Martins.

Comentário eufórico do editor de Chico:

"O prémio deste ano vai para cinco romances magistrais da língua portuguesa e para um artista que usa em vários campos (música, teatro e literatura) a liberdade para a melhor arte e vice-versa."

Francisco Buarque de Hollanda, conhecido simplesmente como Chico Buarque, sucede ao cabo-verdiano Germano de Almeida.

O anúncio de que o brasileiro é o vencedor da 31.ª edição do maior prémio da criação em língua portuguesa suscita múltiplas leituras.

A primeira e óbvia é a comparação com Bob Dylan, Nobel em 2016.

“Na reunião, foi referido o exemplo do Dylan, mas isso não pesou”, garante Frias Martins.

Clara Rowland, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que também fez parte do júri, reforça essa ideia, acrescentando que a decisão de dar o prémio ao músico e escritor brasileiro não só foi unânime como “entusiástica”, e justifica:

“O que pesou foi o reconhecimento da importância fundamental do Chico. É uma das poucas figuras comuns a todo o espaço da língua portuguesa. Poucos na literatura têm o grau de reconhecimento que o Chico tem. Pareceu-nos ainda que um nome como o Chico traz muita vitalidade ao Prémio Camões.”

Muito antes de se tornar mundialmente conhecido pelas suas canções, Chico Buarque sonhava ser escritor, enquanto ia assinando pequenos contos e crónicas no colégio paulista onde estudava, mas a música impôs-se a partir do momento em que ouviu João Gilberto.

Aliás, uma das primeiras canções que escreveu, Canção dos Olhos (1959), veio a defini-la mais tarde como “uma cópia deslavada” do mestre da bossa nova.

A partir do sucesso de A Banda, em 1966, Chico foi-se impondo como criador de canções, a ponto de ser hoje um dos músicos vivos que mais ensaios, estudos, análises e edições críticas tem suscitado, no mundo académico e fora dele.

Segue abaixo a relação completa de vencedores do Prêmio Camões desde a sua criação:

1989 - Miguel Torga (Portugal, 1907-1994);
1990 - João Cabral de Melo Neto (Brasil, 1920-1999);
1991 - José Craveirinha (Moçambique, 1922-2003);
1992 - Vergílio Ferreira (Portugal, 1916-1996);
1993 - Rachel de Queiroz (Brasil, 1910-2003);
1994 - Jorge Amado (Brasil, 1912-2001);
1995 - José Saramago (Portugal, 1922);
1996 - Eduardo Lourenço (Portugal, 1923);
1997 - Pepetela (Angola, 1941);
1998 - António Cândido (Brasil, 1918-2017);
1999 - Sophia de Mello Breyner (Portugal, 1919-2004);
2000 - Autran Dourado (Brasil, 1926);
2001 - Eugénio de Andrade (Portugal, 1923-2005);
2002 - Maria Velho da Costa (Portugal, 1938);
2003 - Rubem Fonseca (Brasil, 1925);
2004 - Agustina Bessa-Luís (Portugal, 1922);
2005 - Lygia Fagundes Telles (Brasil, 1923);
2006 - José Luandino Vieira (Angola, 1935);
2007 - António Lobo Antunes (Portugal, 1942);
2008 - João Ubaldo Ribeiro (Brasil, 1941-2014);
2009 - Arménio Vieira (Cabo Verde, 1930);
2010 - Ferreira Gullar (Brasil, 1930-2016);
2011 - Manuel António Pina (Portugal, 1943–2012);
2012 - Dalton Trevisan (Brasil, 1925);
2013 - Mia Couto (Moçambique, 1955)
2014 - Alberto da Costa e Silva (Brasil, 1931)
2015 - Hélia Correia (Portugal, 1949)
2016 - Raduan Nassar (Brasil, 1935)
2017 - Manuel Alegre (Portugal, 1936)
2018 - Germano Almeida (Cabo Verde, 1945)
2019 - Chico Buarque (Brasil, 1944)

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