O entregador de supermercado deixou de ser invisível na pandemia

Felipe Faria e Gustavo Nista, entregadores em Sydney: tratamento mudou durante a pandemia.

Felipe Faria e Gustavo Nista, entregadores em Sydney: tratamento mudou durante a pandemia. Source: Supplied

Os brasileiros que trabalham com entregas de uma das grandes redes de varejo online passaram a receber agradecimentos e presentes de clientes e não-clientes


Ser socialmente invisível é uma das primeiras lições que um motorista entregador de supermercado aprende antes de começar a trabalhar na Austrália.

É parte do treinamento saber lidar com isso, bem como ser educado, dirigir o caminhão de maneira segura e ser mais pontual possível.
Mensagem com agradecimento aos entregadores na casa de cliente durante a pandemia.
Mensagem com agradecimento aos entregadores na casa de cliente durante a pandemia. Source: Arthur Aguillera/supplied

Trabalhar com entregas para uma grande rede varejista foi meu primeiro trabalho ao chegar em Sydney, 9 meses depois de vir de São Paulo, em 2018. E segue sendo esporadicamente.
 
E o dia-a-dia só confirma essa invisibilidade. Nunca me esqueço de um dia, numa pausa durante o serviço, que eu, vestido com o uniforme de entregador, peguei a fila num café numa região residencial de alto padrão em North Sydney. As pessoas passaram a entrar na minha frente na fila, como se eu não estivesse lá. E este foi só um entre outros casos.  
 
Pois este cenário, ao menos em parte, mudou durante a pandemia do coronavírus.
 
Com o confinamento, as autoridades australianas passaram a pedir que as pessoas fizessem compras online, se possível, para que evitassem ir aos mercados. Então, na contramão de quase todas as áreas da economia nessa época, o varejo online -- e, consequentemente, o trabalho dos entregadores -- teve um pico.
 
E quem era normalmente invisível passou a receber agradecimentos efusivos, pequenas homenagens e até lembranças e gorjetas.
Mensgem de clientes aos entregadores.
Mensgem de clientes aos entregadores. Source: Supplied
Conversei com alguns colegas que também notaram a mudança no comportamento.  
 
Gustavo Baldo Nista vive há 4 anos na Austrália. Entrega mercadorias há quase dois.
 
"Muita gente valoriza e muita gente desvaloriza. Depois da crise do coronavírus, mais pessoas passaram a notar a importância desse nosso trabalho. Muitas vezes as pessoas param na rua, quando estou descendo pra começar a fazer a entrega, e falam algo legal, parabéns pelo trabalho, continue fazendo isso, seu trabalho é importante. E essas coisas na rua só começaram a ocorrer depois da pandemia do coronavírus. Já tive feedback positivo de clientes antes, mas casos de pessoas na rua que não eram clientes parabenizando o trabalho, eu não tinha visto isso antes."
 
O paulistano Felipe Farias, de 33 anos, vive há oito anos na Austrália, cinco dos quais como entregador de mercadorias para uma rede de supermercados.
Pequenos presentes aos entregadores foram muito mais comuns nos últimos meses
Pequenos presentes aos entregadores foram muito mais comuns nos últimos meses Source: Arthur Aguillera/supplied
"Deu pra perceber uma diferença de tratamento das pessoas. Muita gente assustada por alguém estar indo na casa dela, não sabe a procedência, se está doente ou não. Algumas pessoas tentam achar uma forma de agradecer, como uma escrita, na instrução (da entrega), ou deixando um bilhete na porta agradecendo. Teve também pessoas que pediu restrição (de distanciamento) na entrega, mas a pessoa foi lá, abriu a porta e agradeceu a entrega, por estar fazendo um trabalho excelente. (...) Mas acredito que as pessoas estão dando mais valor ao nosso trabalho sim, um pouquinho, dá pra se notar. É legal que as pessoas possam dar importância a um trabalho que é novo, entrega de mercadoria online é novo, muitas pessoas não conhecem, tanto que temos várias pessoas novas adquirindo o serviço. E essas pessoas vão continuar comprando online até depois dessa experiência, pela comodidade, pela conveniência."
 
 Arthur Aguillera é um dos subcontratados por uma das grandes redes de mercado da Austrália. Também natural de São Paulo, ele chegou em 2012 no país e desde então trabalha com o crescente mercado de entregas.
 
 Chegou na Austrália em 2012, esse trabalho foi um dos primeiros na Austrália, fazendo entregas pra um das duas maiores redes de supermercado.
 
"Uma mudança notória que nós sentimos foi uma mudança notória no reconhecimento do nosso trabalho. os motoristas que estão trabalhando estão recebendo diariamente presentes, mais gorjetas, agradecimentos pelo trabalho prestado, por conseguir manter as pessoas dentro de casa, por, querendo ou não, estar correndo esse risco. Estamos recebendo carta de cliente, motorista chega pra fazer entrega e ter um quadro "muito obrigado, delivery driver", cartas de crianças. O reconhecimento para os motoristas está sendo muito legal, as pessoas param na rua e agradecem o serviço que a gente está fazendo no momento. Querendo ou não, ajuda muita gente a não ir ao mercado e evitar o vírus se espalhar mais. O reconhecimento é algo que a gente sentiu 100% a diferença."
 
Arthur Aguillera é testemunha da crise econômica que já estamos vivendo na Austrália. Dono de uma das subcontratadas por uma das redes de supermercados, ele é responsável, entre outras coisas, por recrutar motoristas-entregadores.
 
"Uma grande mudança para a empresa (na pandemia) foi o número de motoristas procurando trabalho, o que era uma dificuldade pra gente dependendo da época do ano. Hoje recebemos de 20 a 30 ligações e emails por dia de motoristas procurando trabalho, que perderam seu emprego. Ninguém queria estar passando por isso, mas a gente acaba sendo privilegiado de trabalhar no online e não ter sido afetado. Pelo contrário, foram um dos poucos trabalhos que ficaram mais ocupados nessa época. Infelizmente não conseguimos ajudar todos, de um mês e meio pra cá contratamos 25 novos motoristas pra dar conta da demanda."
 
Trabalhar como motorista-entregador na Austrália é um trabalho duro, que normalmente começa por volta das cinco horas no turno da manhã e termina por volta das dez no da noite. É físico, tem seus perrengues, mas é um início fundamental para muitos brasileiros (e não só brasileiros) que chegam para viver na Austrália. Mas pode ser também recompensador, como lembra Gustavo Baldo Nista.
 
" Eu vejo que nosso trabalho também é uma forma muito bonita de ajudar as pessoas, porque a maioria do público que recebe nossas entregas é de pessoas idosas, com deficiência, mães com filhos pequenos. São pessoas que talvez até possam ir ao mercado, mas com esse nosso trabalho  de levar as compras até a casa das pessoas, é uma forma de ajudar. Não só, mas acredito que muitos outros motoristas, façam questão de serem educados, de levarem um sorriso, são pequenos gestos que fazem diferença na vida das pessoas."
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