Histórias e cicatrizes do Timor-Leste

"O timorense sabe como é ser esquecido", diz Luke Henriques-Gomes, o que lhe ajuda a ser mais empático em sua profissão de jornalista.

"O timorense sabe como é ser esquecido", diz Luke Henriques-Gomes, o que lhe ajuda a ser mais empático em sua profissão de jornalista. Source: Supplied

Agosto é tempo de relembrar o referendo da independência do Timor-Leste em 1999, que traz fortes emoções aos timorenses. Conversamos com o jornalista Luke-Henriques Gomes, nascido na comunidade em Melbourne, para quem a luta da independência se confunde com a história da família


A história da imigração timorense na Austrália é também a história da necessidade de sobreviver e resistir, e se confunde com as lutas que os timorenses enfrentaram no século 20.

A primeira leva de imigração ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, com a evacuação do Timor Português em 1945. 

A segunda onda ocorreu 20 anos depois, em 75, na agonia da agitação política do país que lutava por sua independência e a briga entre os dois partidos, a União Democrática Timorense, a UDT, e a Frente Revolucionária do Timor Independente, a Fretilin.

Com a dominação indonésia, milhares de timorenses chegaram a Austrália como refugiados. Somente no estado de Victoria, o número de nascidos no Timor Leste saltou de 367 em 1976 para 2.784 dez anos depois, de acordo com o censo australiano.

Agosto é sempre mês de relembrar o emblemático dia 30 deste mês em 1999, quando um referendo autorizado pelo governo da Indonésia teve 78% de votos em favor da independência do Timor-Leste. Mas o que era para ser, enfim, a realização de um sonho de gerações se transformou rapidamente em um pesadelo.

Milícias do país ocupante invadiram o Timor-Leste e, em apenas três semanas, mataram 2600 pessoas, desalojaram 30 mil e outras 250 mil foram forçadas a se deslocar ao Timor Oeste, território indonésio. E um cenário de destruição total foi deixado na capital Dili e arredores. Ao menos mais 4 mil timorenses puderam permanecer na Austrália a partir deste período.

O fato é que os timorenses passaram a fazer parte do caldeirão cultural australiano em definitivo. Conversamos com o jornalista Luke-Henriques Gomes, de 28 anos. Nascido no seio da comunidade do país em Melbourne, ele faz parte da primeira geração de sua família timorense nascida na Austrália.
Luke Henriques-Gomes
Source: Supplied
Para ele, o Timor-Leste é um assunto de luta e histórias familiares. O inglês é sua primeira língua, mas ele faz questão de contar a história da família em português, para que o avô o ouça nesta língua.

Esta é apenas uma das milhares da histórias que construíram a imigração do Timor em Portugal. 

“Família do meu pai chegou em 85, mas eles foram a Portugal antes, e antes em Moçambique. Meu avô foi um apoiante pela independência e por isso tinha dificuldades com autoridades e decidiu fugir do Timor em 7, acho. E então este foi antes da violência em Timor. Chegou na Austrália em 85.”

A história do avô materno de Luke, Abílio, é ainda mais impressionante. 

”A família da minha mãe chegou em 78 a Darwin mas viveram em Portugal por 3 anos. Fugiram durante a guerra civil em Timor, em agosto de 75. Mas o meu avô já estava em Darwin e ele fugiu em setembro, foi um membro de um partido, o UDT, havia uma guerra civil nesta altura entre o UDT e o Fretilin, que ainda existe. E basicamente eles ja estavam a discutir como rápido o processo de independência deveria ser. E então o meu avô tinha medo, porque havia muita violência, muitas ameaças, foi perigoso. E ele decidiu com outras pessoas que viviam em  Baucau, que precisavam fugir muito rápido e o meu avô trabalhou no aeroporto de Baucau, e lá havia um avião militar australiano. E basicamente o que aconteceu com eles e que, não sei, 11 homens, incluindo-se meu avô, decidiram tomar o avião. O avião foi sequestrado com armas.”
O que Luke conta é a impressionante história do sequestro do avião da RAAF, a Força Aérea Australiana, no aeroporto de de Baucau, no Timor-Leste, em setembro de 1945. 

“O meu avô e outra gente demandaram entrar no avião e disseram aos pilotos que levassem quase 40 pessoas timorenses para Darwin. E isto aconteceu. Havia uma guerra, eles tinham armas, e os pilotos deixaram a gente entrar no avião. Chegou em Darwin, foi uma notícia nos jornais, a polícia federal obviamente foi envolvida, e o governo decidiu que essa gente poderia ficar em Darwin como refugiados. E ele ficou em Darwin.”

O tempo parecia curar as feridas timorenses quando o presidente da Indonésia Jusuf Habibie anunciou, em março de 1999, que acataria a decisão dos timorenses caso estes preferissem a independência a alguma forma de autonomia. Organizou-se então um referendo, com intensa campanha dentro e fora do Timor-Leste.

BJ Habibie, foi mais aberto a alguma forma de autonomia para Timor-Leste. Em Março de 1999 anunciou que se os timorenses favorecessem a independência em vez da autonomia sob a Indonésia, ele a concederia. Foi aí que houve o referendo de 31 de agosto, com vitória para os independentistas, com 78% dos votos. 

“Minha família voltou no referendo sim. Por exemplo, meu tio foi a Lisboa para votar. Estava a viver em Paris nessa altura, mas ele pensava que era muito importante votar e então fez e a minha mãe votou em Melbourne. Ela não era uma cidadã da Austrália, então não podia votar nessas eleições, então foi o primeiro voto que ela teve na sua vida, foi para a independência do seu país. E as minhas tias também votaram, e a minha tia, a irmã mais nova do meu pai disse-me que ela estava muito contente de estar numa fila longa porque tinham uma razão mais profunda. Mas acho que esse votar foi importante, foi ao fim do trabalho da minha família, dos meus avós que foram envolvidos no movimento pela independência, em Melbourne. E durante esses anos, entre a invasão e o voto pela independência, claramente era muito difícil viver fora do seu país quando não havia muita gente que conhecia o que é o Timor, o que está a acontecer ali. Isto sem dúvida para eles e as minhas tias, por exemplo, foram presas durante protestos na embaixada da Indonésia. Elas e meus avôs foram a Camberra para manifestar. O meu tio Danilo, o irmão da minha mãe, foi a Nova York para dar um discurso sobre a situação no Timor com outros jovens timorenses. Acho que sim, o voto foi importante para eles, mas foi ao fim de seu trabalho. Isto é como posso perceber a importância desse momento.”

Mas, logo a seguir, houve o massacre miliciano que destruiu o país. Uma montanha-russa de emoções familiares, como conta Luke Henriques-Gomes.

“Estavam contentes, foi muito emocionante. Por exemplo, meu avô disse-me, porque eu escrevi um artigo sobre este momento, e tive que entrevistar a todos, e o pai da minha mãe disse-me que ele, quando acabou de receber a notícia, estava no cockpit de seu elétrico, porque estava a trabalhar como condutor, e quando acabou de saber, parou o elétrico e foi tão emocionante que queria celebrar, obviamente. E os meus tios, um deles trabalhava perto de Melbourne num restaurante, e meu tio Gui, os dois tiveram uma conversa muito profunda, estavam a chorar. Mas também, obviamente o resultado foi incrível, mas havia violência outra vez. Esse momento foi marcado por muitos sentimentos, não foi simplesmente feliz, foi também difícil ver depois o que aconteceu em Timor, com muitas mortes, prêmios que foram destruídas. Foi terrível. Sei porque falei com eles, foi like a rollercoaster essas emoções, um pouco confusas.” 

Fazer parte da primeira geração familiar nascida e crescida na Austrália, com tantas histórias, hoje ajuda Luke Henriques-Gomes a ter mais empatia no seu trabalho como jornalista. 

“Eu acho que na verdade é difícil saber como ser timorense influencia meu trabalho. Eu diria que escrevo sobre temas sociais, como segurança social, e isso significa que eu faço como pessoas vulneráveis, preciso ter empatia, e acho que o povo timorense sabe como é ser esquecido, por exemplo, dizem que durante esses anos entre a invasão e a independência, foi difícil, porque muita gente não conhecia nada sobre o Timor. Não sabia onde estava, a violência, nada. Isto é uma forma de saber como é ser esquecido e isso talvez tenho como ponto de vista significa que tu tens mais empatia nos casos de gente que também é esquecida.” 

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