Em Portugal, migrante ucraniano foi torturado até a morte pela polícia de fronteira no aeroporto de Lisboa

Segundo testemunhos, momentos antes de morrer no aeroporto de Lisboa, Ihor Homenyuk tinha as mãos atrás das costas presas com algemas de metal.

Segundo testemunhos, momentos antes de morrer no aeroporto de Lisboa, Ihor Homenyuk tinha as mãos atrás das costas presas com algemas de metal. Source: Dicas de Lisboa

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A revelação do caso deixou o país em choque, e 12 pessoas agora respondem em tribunal


O migrante ucraniano foi sujeito pela polícia de fronteira no Aeroporto de Lisboa a tratamento cruel, desumano e degradante. É o que conclui um perito, ex-diretor do Instituto (português) de Medicina Legal.

Chamava-se Ihor Homenyuk e pretendia entrar em Portugal, no passado 12 de março.

Na ocasião, um vírus desconhecido, o SARS-CoV-2, estava a entrar em Portugal e mobilizava todas as atenções.

Assim, a notícia da morte de Ihor nas instalações dos Serviços Policiais de Estrangeiros e Fronteiras, passou sem as perguntas devidas, mas que acabaram por ser feitas.
O caso ressurgiu, dias depois, quando se soube que três dos agentes daquela força policial, com idade entre os 42 e os 47 anos, tinham sido detidos.

Ao mesmo tempo, o governo demitia o diretor daquele corpo de polícia com o ministro com tutela das forças de segurança a reconhecer “negligência grosseira e encobrimento” no caso da morte do ucraniano Ihor Homenyuk nos serviços de policia no aeroporto de Lisboa.

A procuradoria de justiça e o parlamento abriram investigação, em paralelo à jornalística.

Está provado que, naquele 12 de março deste ano, Ihor esteve manietado, numa sala, durante 15 horas, de várias maneiras: com fita-cola, ligaduras e algemas de metal.

Segundo testemunhos à Polícia Judiciária, momentos antes de morrer, Ihor Homenyuk tinha as mãos atrás das costas presas com algemas de metal, além de algemas de pano. As mãos estavam roxas; os tornozelos amarrados e no corpo tinha as marcas de fita-cola.

O médico do Instituto de Medicina Legal que fez a autópsia, e alertou a PJ, referiu que a morte foi compatível com um homicídio e deveu-se a uma asfixia associada às lesões traumáticas.

Nada disto é referido pelo auto de óbito do SEF, assinado por um inspector deste Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que dá a entender que Ihor teve um comportamento violento e que isso levou a equipa a algemá-lo. Diz que Ihor agrediu um dos seguranças com um sofá no pé. 

Em sequência da investigação feita pela Inspeção geral da Administração Interna (IGAI), a polícia dos polícias, às circunstâncias da morte de Ihor Homenyuk, onde é criticada “a postura generalizada de desinteresse pela condição humana” pela parte de seguranças, inspetores (e até de enfermeiros) no aeroporto, todos acusados de negligência e negação na prestação de auxílio. São conclusões só agora conhecidas, depois de terminado o segredo de justiça.

A IGAI propôs instaurar processos a sete inspetores e uma técnica, incluindo a um coordenador e a dois chefes — além dos que já tinham sido determinados ao Diretor e ao Sub-diretor de Fronteiras de Lisboa, demitidos em final de março, e aos três arguidos— Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva, logo detidos. Ou seja, no total há 12 inspetores do SEF a quem foram instaurados processos disciplinares, e que também terão de prestar contas em tribunal.

A Justiça vai agora decidir. O julgamento deste caso está marcado para 20 de Janeiro, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, onde serão ouvidos os arguidos. Só um desses arguidos, o inspetor Duarte Laja, chamou 46 testemunhas. 

A Comissária Europeia com o pelouro dos Assuntos Internos em visita por estes dias a Lisboa comentou o caso como “horrível violação de direitos humanos” e disse esperar que o caso esteja a ser devidamente cuidado pelas autoridades portuguesas.

O governo anunciou já ter remodelado todo o sistema policial de fronteira no aeroporto de Lisboa, tendo sido introduzido novo regulamento.

O Ministério da Administração Interna (MAI) diz que o centro do aeroporto gerido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tem um novo modelo “sob a perspetiva humanista”. Refere que segue “normas de atuação com vista a assegurar o escrupuloso cumprimento” da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. 

Há vozes no parlamento português que pedem que o apuramento de responsabilidades inclua o ministro com a tutela das forças de segurança.

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