Brasileira que teve primeiro pedido negado pelo governo australiano para ir ao Brasil: "cheguei quatro dias antes da minha mãe falecer"

Lu e mãe

Luciana Guimarães, cidadã australiana que mora em Melbourne há 11 anos, com a mãe dela, que faleceu quatro dias depois da sua chegada ao Brasil. Source: Supplied

Luciana Guimarães é cidadã australiana e teve primeiro pedido para sair do país negado pelo Departamento de Home Affairs, apesar de informar que a mãe estava em estado terminal. Segundo pedido foi aprovado e Luciana chegou a tempo de se despedir da mãe.


Com a pandemia e o fechamento das fronteiras da Austrália para a entrada de estrangeiros com vistos temporários, também foi adotado pelo governo federal o controle de saída e entrada de residentes permanentes e cidadãos australianos no país, sendo necessária, nesses casos, uma permissão por parte do governo.

Para conseguir essa permissão, residentes e cidadãos tem que preencher uma solicitação e justificar o pedido, que é avaliado pelo e pode ser negado, caso a razão alegada não seja considerada convincente pelos oficiais do departamento. Também pode ser estipulado um período mínimo de três meses para que a pessoa fique no destino pra onde vai.

A brasileira Luciana Guimarães, cidadã australiana que vive em Melbourne há 11 anos, recebeu em maio deste ano a notícia de que a mãe estava muito doente no Brasil. Na época, Luciana tinha acabado de tomar a primeira dose da vacina da Pfizer contra a COVID-19, e achou que seria melhor esperar pela segunda dose para ir ver a mãe em São Paulo.
Luciana
Luciana recebeu a notícia de que a mãe estava doente, ia esperar para tomar 2’ dose da vacina contra covid antes de viajar, mas irmãos disseram que seria tarde. Source: Supplied
Mas os irmãos de Luciana a alertaram de que talvez não houvesse tempo para isso, já que mãe deles estava internada em um estágio muito avançado de câncer. Foi então que ela decidiu dar entrada o quanto antes no pedido, junto ao Departamento de Home Affairs, para sair da Austrália e ir ao Brasil se despedir da mãe.

Luciana preencheu o formulário online com todas as informações pedidas, incluindo um campo para a justificativa da viagem, e anexou o laudo médico que comprovava que o estado de saúde da mãe era grave. Três dias depois que fez o pedido, recebeu a resposta negativa, segundo ela sem justificativa.

Perguntada sobre o que sentiu quando teve seu pedido negado, Luciana é direta: “Raiva. Não tem outra palavra para definir o que senti. Me questionei sobre o que estava fazendo na Austrália. Me senti uma prisioneira. Pensei: Como eles podem me privar de ver minha mãe, que está doente?” E diz que mesmo que a autorização não fosse aprovada, ia dar um jeito de ir ver a mãe no Brasil, mas não sabe se seria possível, já que a fiscalização no aeroporto é bastante rígida.
Raiva. Não tem outra palavra para definir o que senti. Me questionei sobre o que estava fazendo na Austrália. Me senti uma prisioneira. Pensei: Como eles podem me privar de ver minha mãe, que está doente?
Um dia depois de ter o pedido negado, Luciana já fez uma segunda tentativa, dessa vez com uma carta do GP (médico) dela, outra da sua psicóloga, e uma longa declaração escrita por ela e reconhecida nos correios, contando todos os motivos que ela tinha para ir ao Brasil se despedir da mãe, citando inclusive que o pai tinha falecido também em decorrência de um câncer anos antes.

O segundo pedido foi aprovado no dia seguinte e Luciana levou cerca de quatro dias após a aprovação para embarcar, tempo de preparar as malas e fazer o teste de COVID-19 exigido para a viagem.

Sobre o trajeto até o Brasil, Luciana diz que foi um baque ver o aeroporto de Melbourne vazio e com todo o comércio fechado. Ela diz que a fiscalização é rigorosa e exige que cada viajante mostre toda a documentação exigida, mais de uma vez, além de responder a um questionário. Nesse momento, Luciana disse que ficou muito nervosa e começou a chorar, dizendo que só queria chegar no Brasil a tempo de ver sua mãe. Ela se surpreendeu com a reação dos policiais que a estavam interrogando, que a abraçaram, mesmo em época de pandemia, e disseram que ela podia seguir.

O avião estava bem vazio, com cerca de 50 pessoas a bordo. Na conexão em Dubai ela conta que a situação já estava um pouco mais “normal”, com lojas e restaurantes abertos, e um maior fluxo de pessoas. Em Dubai ela teve que preencher um formulário com questões relacionadas à COVID-19, e ao chegar ao Brasil apresentou outro formulário exigido pelo governo brasileiro, que já tinha preenchido online.

Apesar de a viagem ter transcorrido bem, Luciana diz que as quase 30 horas que gastou no trajeto foram angustiantes, pois ela sabia que a mãe estava muito mal no hospital, e ela já tinha tido a mesma experiência com o pai, que também faleceu de câncer anos atrás.

Quando finalmente encontrou a mãe, Luciana diz que sentiu alívio. Apesar de todo o estresse da viagem e do período que antecedeu a ida dela ao Brasil, encontrar a mãe e poder conversar com ela foi, segundo Luciana, “a melhor coisa do mundo”, e completa: “se eu não tivesse chegado a tempo de ver minha mãe, de encontrar com ela, eu acho que eu nunca mais ia querer voltar para a Austrália porque sentiria muita raiva e rancor.”
Se eu não tivesse chegado a tempo de ver minha mãe, de encontrar com ela, eu acho que eu nunca mais ia querer voltar para a Austrália porque sentiria muita raiva e rancor. Se eu não conseguisse chegar, acho que iria me sentir culpada pelo resto da minha vida.
Luciana conta que apesar de morar há 11 anos na Austrália, é muito ligada à família, e que se faz presente mesmo à distância. “Nos meus dias de folga do trabalho, eu sempre ligo para os meus familiares, irmãos, sobrinhos. Então era fundamental eu estar com ela (minha mãe). Se eu não conseguisse chegar, acho que iria me sentir culpada pelo resto da minha vida”, conclui.

Quando perguntada sobre o momento da partida da mãe, Luciana se emociona e diz que ainda é difícil falar sobre o assunto, pelo fato de ser muito recente. E ressalta que o apoio dos irmãos, Alexandra e Renato, foi fundamental para enfrentar a dor da perda da mãe e a dificuldade de ter largado tudo na Austrália, marido, casa, trabalho, para estar no Brasil nesse período. “Estar com meus irmãos presentes na minha vida foi, é e sempre vai ser muito importante, até porque agora somos só nos três.”
Luciana e irmãos
Luciana com os irmãos, Alexandra e Renato. Ela diz que é muito importante tê-los presents em sua vida, até porque agora, após a morte dos pais, são só os três. Source: Supplied
Passados três meses que Luciana chegou ao Brasil, ela agora aguarda ser incluída em um voo para poder voltar à Austrália e reencontrar o marido, que ficou no país. O voo de volta dela a princípio estava marcado para 24 de setembro, mas com o surto da variante Delta em algumas das principais cidades do país, o governo reduziu o número semanal de cidadãos e residentes permanentes que podem retornar do exterior.

Em agosto, Luciana recebeu a informação da Emirates, companhia aérea pela qual ela comprou as passagens, de que o voo dela tinha sido cancelado e que ela seria realocada para um voo no dia 8 de janeiro de 2022, mais de três meses depois da data prevista.

Após enviar um e-mail para a companhia questionando esse intervalo tão longo entre uma data e outra, ela foi informada de que seu nome seria incluído em uma lista de espera para o dia 22 de novembro deste ano.

Luciana diz que agora está torcendo para que a Austrália atinja o quanto antes o índice de 80% da população elegível totalmente vacinada contra a COVID-19, pois a partir daí, pelo plano apresentado pelo governo australiano de reabertura do país, o número de cidadãos e residents permanentes que podem retornar à Austrália vai aumentar. Ela conta com isso para poder voltar para casa o quanto antes.
Luciana e Lucas
Luciana na foto com o marido Lucas, que ficou em Melbourne, e ela não vê há três meses. "Nunca passamos tanto tempo longe um do outro". Source: Supplied
Sobre como ela está lidando com a distância do marido e da casa por todo esse tempo, Luciana diz que tem sido bem difícil porque as pessoas no Brasil têm suas vidas e ela fica muito sozinha durante a semana. Para o Lucas, marido de Luciana, também não tem sido fácil, já que Melbourne está há algum tempo em lockdown, ele não pode encontrar os amigos e tem trabalhado menos horas por semana. Ela destaca que eles nunca ficaram tanto tempo longe um do outro.

Luciana também lembra do quanto é custoso estar no Brasil sem trabalhar, e diz que se considera privilegiada por ter como se manter por lá nesse período. “Eu fico imaginando as pessoas que não tem renda e nem uma reserva financeira. Eu não sei como elas fazem. Como ficam tanto tempo longe sem ter dinheiro.”
Eu fico imaginando as pessoas que não tem renda e nem uma reserva financeira. Eu não sei como elas fazem. Como ficam tanto tempo longe (de casa e do trabalho) sem ter dinheiro.
Para viajar, Luciana conversou com a chefe no trabalho, explicou a situação, e a chefe disse que seguraria a vaga dela para quando voltasse. “Mas agora eu já não sei mais, porque eu ia voltar em setembro, e talvez só volte em janeiro. Então acho que quando eu voltar para a Austrália vou ter que procurar outra coisa, porque é muito tempo fora.”

Sobre estar por um longo período no Brasil, Luciana diz que é muito bom estar em família e entre amigos, mas que ela construiu uma vida na Austrália, onde ela tem uma casa, onde está seu marido, e onde ela prefere viver. “No Brasil é todo mundo muito caloroso, o que é muito bom. Enquanto na Austrália é tudo muito mais ‘frio’. Nós temos amigos, mas cada um tem sua rotina, seus horários. Mesmo assim, para viver, eu não trocaria Melbourne, onde tenho tranquilidade e segurança.” E completa: “Eu gostaria de estar com as pessoas que eu gosto na Austrália.”


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